quinta-feira, agosto 02, 2012



 

Desculpas, patriotismo,

 

a glória e as polêmicas

 

do esporte nos Jogos



A cada ciclo olímpico a história se repete no Brasil, País sem tradição e cultura esportiva e com enorme vocação para festejar vitórias e cornetar derrotas. É uma mistura de termos como glória, honra, patriotismo, sacrifício, dificuldades, heroísmo, que produz uma salada de gosto duvidoso.

As Olimpíadas ganharam enorme visibilidade, alguns atletas de ponta se transformaram em celebridades milionárias e ficaram vulneráveis ao grande público, a essa massa que é pouco crítica mas que critica como poucos.

O que me motivou a escrever esse texto foram algumas postagens de atletas em redes sociais. Tomados pelo espírito de corpo, alguns saíram em defesa de outros que foram atacados por gente que mal sabe porque está atacando. Algumas dessas mensagens ressaltavam o fato de que atletas fazem sacrifícios pelo seu País. Outras que levam a bandeira do Brasil no peito.

Cada um tem sua maneira de ver cada coisa, mas não vejo conexão entre patriotismo e esporte. Ninguém é mais brasileiro ou mais patriota porque ganhou uma medalha. Nem menos cidadão por ter perdido um pódio. São situações que não se encontram, por mais que tentem forçar essa comparação, em todos os lados da polêmica - nós da mídia, inclusive.

Atleta não é soldado, não presta serviço obrigatório à Nação, não é convocado para a trincheira. Se faz sacrifício é porque escolheu essa vida, e seu sacrifício é pessoal, não coletivo. Quando escolheu essa vida, tinha todas as informações disponíveis sobre levar o corpo ao limite máximo da resistência, treinar exaustivamente, abdicar do convívio familiar, dos estudos, de tempo livre. No Brasil não se tem notícia de atleta escravo.

Infelizmente, alguns grandes atletas, figuras legendárias em suas modalidades, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, superestimam e superavaliam seu papel para as sociedades de que fazem parte. Usam o termo defender o País como se fossem realmente defensores de alguma coisa, quando são representantes de suas modalidades em competições de alto nível. Apenas isso.

O atleta de alto rendimento, nas modalidades mais organizadas, populares e, consequentemente mais lucrativas, é como um grande artista, um grande executivo. São muitíssimo bem pagos para treinar duro e proporcionar retorno às marcas que investem neles. Muitos atletas são autênticas agências de publicidade ambulantes, anunciam da cabeça aos pés e, com justiça, recebem proporcionalmente ao desempenho e à importância de suas imagens.

Mas alguns parecem não saber que no Brasil e em qualquer lugar do mundo existe um enorme contingente de cidadãos que não dá a mínima para o que eles fazem, que não gosta de esporte, que não fica, como eu fico, grudado na TV ou trabalhando incessantemente numa cobertura de Olimpíada, de Copa do Mundo. Esse enorme contingente talvez não goste nada do fato de empresas estatais investirem pesado em modalidades esportivas e atletas, proporcionando do bom e do melhor para que eles possam exercer as profissões que escolheram.

Essa supervalorização do papel do esporte e do atleta chegou ao cúmulo do exagero em 1994, no famoso voo da muamba da seleção campeã mundial de futebol. O fato de ganhar um torneio não dá benefício alfendegário a ninguém, como muitos jogadores pensaram à época. Grandes atletas representam a cultura de seu País, de sua gente. Assim como grandes artistas, cientistas, médicos e o grosso da população comum.

Não se deve cobrar de atleta como se deve cobrar de políticos e administradores da Nação. Quem gosta de esporte, é apaixonado por esta ou aquela modalidade, deve acompanhá-la, rir, sofrer, chorar, se emocionar. Idolatria é uma coisa, privilégio e superestima são outras.

Para uma pessoa como eu, que tem esporte na veia, nomes como Maria Esther Bueno, Adhemar Ferreira da Silva, Guga, Pelé, Paula, Hortência, Moreno, William, Gustavo Borges, Aurélio Miguel, Scheidt, Grael e outros são importantíssimos.

Para milhões de brasileiros, há nomes de outras áreas que representam muito mais, como César Lattes, Tom Jobim, Miguel Nicolelis, Sérgio Vieira de Mello, Oswaldo Cruz, Machado de Assis, Heitor Villa-Lobos, Landell de Moura, Câmara Cascudo, Chico Mendes.

Há centenas de médicos brasileiros que levam o nome de nossa medicina mundo afora em congressos, criando métodos revolucionários que ajudam a salvar vidas. Há centenas de engenheiros brasileiros que constroem grandes obras mundo afora. Existem executivos brasileiros brilhantes comandando grandes empresas internacionais.

Não se vê, contudo, discurso ufanista, apelos à dedicação pelo País, defesa da bandeira etc. como se costuma ver em tempos de Copa do Mundo e Olimpíada. Claro que o esporte tem esse ingrediente popular e emocional, faz parte da indústria do entretenimento, é usado politicamente para aproveitar a emoção coletiva.

Sonhei um dia ser atleta de nível internacional, mas nunca tive talento para tanto. Tenho grandes amigos atletas, respeito seu desempenho, dedicação e a genuína emoção de representar seu País em grandes competições. Mas discordo frontalmente quando se atrela o termo patriotismo ao esporte. Ser um campeão não tem nada a ver com patriotismo. Ser um atleta cidadão exemplar é o maior exemplo de patriotismo que um profissional do esporte pode dar ao seu País.

Também não gosto de ver atletas pedindo desculpas ao povo brasileiro por uma derrota. Eles não devem nada a ninguém para se desculparem. Quem vai a uma Olimpíada sabe que estará disputando com gente, no mínimo, tão bem preparada quanto, com os mesmos sonhos e objetivos.

A obrigação de qualquer atleta para com o esporte e seus ideais é dar o seu máximo, respeitando as regras de sua modalidade, seus adversários, árbitros e o público.

Chorar é uma reação individual que pertence somente a quem chora. Pedir desculpas não faz parte do processo de quem trabalha, treina e vive de competição. Só um ganha.

Talvez refletindo sobre isso, não necessariamente concordando, possamos caminhar para um processo de implantação de uma cultura esportiva no Brasil. Cultura de educação para o esporte e pelo esporte, não uma cultura apenas de resultados. Para podermos dizer que brasileiro gosta de esporte e não verificar que gosta apenas de ver outro brasileiro ganhando no esporte. Para que o esporte ajude primeiro a formar brasileiros melhores e depois a fomentar o aparecimento de brasileiros campeões olímpicos e mundiais.

4 comentários:

Silvio Luiz Barbosa disse...

Leitura perfeita Nori !!!

Anônimo disse...

Nori,
Uma brilhante e precisa reflexão. Poucas vezes li algo tão verdadeiro. O esporte tomou uma proporção que só atrapalha. Virou ferramenta para um monte de baboseira. E trampolim para outras tantas. Lamentável.

Bruno Formiga - jornalista

Marcos Almeida disse...

Noriega, a única ressalva que faço no texto é que está faltando um "t" no nome do Cesar Lattes.

No mais, esse texto é uma daquelas "verdades inconvenientes" que machucam quem se vê envolto nessas situaçõs. É um bom exercício de autorreflexão.

Parabéns pelas palavras!

Anônimo disse...

Concordo com tudo do texto,vejo que infelizmente no Brasil as pessoas apoiam apenas nas vitorias,nas derrotas todos falam mal.
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