quarta-feira, fevereiro 20, 2013


Lei também é

para os ídolos


Tenho procurado acompanhar com atenção o noticiário envolvendo o corredor paraolímpico sul-africano Oscar Pistorius, que está sendo apontado como autor do crime de assassinato de sua própria  -e belíssima - namorada, uma famosa modelo.

Sempre que um caso como esse ocorre existe uma certa comoção. Não apenas entre os fãs e torcedores, mas também entre os jornalistas. As reportagens ganham um tom de incredulidade, de inconformismo. Especialistas são ouvidos e se apressam a escrever um epitáfio apressado sobre o atleta em questão, ressaltando suas qualidades, importância para o esporte, contribuição, exemplo de esforço e superação. Como se fosse possível separar tudo isso do ser humano que comete (se comprovado for pela Justiça) de um crime brutal.

Creio que o motivo dessa postura incrédula está no fato de a cobertura esportiva de mídia ter uma necessidade que, sinceramente, não comprendo, de criar heróis. Ou até mesmo de chamar de herói um atleta que nada mais é do que competente, talentoso, trabalhador, dedicado e vencedor. O termo herói entra aí em que contexto, quando se trata nada mais de quem faz bem seu trabalho?

Talvez no caso de Pistorius o termo ganhe alguma justificativa. Ele, de fato, tem uma história que é um exemplo de superação, de como encarar a vida de frente, de cabeça erguida, mesmo face à crueldade com que a vida o encarou.

Há um caso que me soa muito parecido. O do pugilista argentino Carlos Monzón. Herói nacional, apontado como um dos 20 maiores boxeadores de todos os tempos, Monzón foi condenado e cumpriu pena pelo assassinato de sua esposa, Alicia Muniz. Monzón morreu em um acidente de automóvel, em 1995, durante um período em que gozava do benefício de passar alguns dias fora da prisão.

Em 2011, durante a Copa América, a equipe do SporTV foi até uma estátua que ergueram para Monzón na cidade de Santa Fé (ele é da província de Santa Fé). Enquanto tirávamos algumas fotografias, uma senhora se aproximou e disse, em tom desaprovador:

- Este não é ídolo. Não é ídolo.

Não foi preciso explicar a implícita referência ao crime por ele cometido.

Não comparo casos e histórias.

Monzón foi enterrado como um semideus na Argentina, tão cara a ídolos e figuras algo caricatas, como Perón, Maradona, Gardel, Evita e o próprio Monzón.

Outro caso que capturou a atenção da mídia e do público torcedor foi o do ídolo do futebol americano O.J Simpson. Acusado de matar a esposa Nicole e um amigo, Simpson foi absolvido no julgamento que atraiu a maior atenção da mídia na história dos EUA.

Em todos esses casos, em um momento ou outro, em tom acima do normal ou não, a biografia do ídolo se misturou com a vida do cidadão comum e suas responsabilidades.

Por isso entendo o choque.

Mas não consigo entender o tom de atenuação em algumas declarações.

Nem sequer a tentativa de justificar supostas atitudes e desqualificar eventuais equívocos apenas pelo fato de a pessoa ser ídolo.

A Lei é para todos. Ídolos ou fãs. Não deve haver benefício ou tratamento especial.

Sabemos que no Brasil não funciona desse jeito. Não apenas no Brasil.

Poder, influência política e imagem costumam se imiscuir na Justiça, eventualmente.

A tragédia de Pistorious (personagem que aos poucos tem sua biografia pessoal revelada, com tons até então obscuros) é mais um capítulo dessa novela chamada vida.

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